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sexta-feira, 19 de julho de 2024

Escuro e Doce como o Céu

À meia-luz em seu apartamento, depois de um dia que parecia surreal demais, ele se debruça na janela como quem busca algo no céu.


Não demorou muito, o interfone tocou: era o porteiro informando a chegada de uma encomenda.


- Poxa, acabei de chegar em casa...

- Não se preocupe: eu posso receber pro senhor.


Logo o porteiro tocou sua campainha com um embrulho cuidadoso de papel pardo reforçado com barbante nas mãos. Agradeceu confuso, pois não havia encomendado nada - mas havia um pequeno envelope preso com durex.


Do embrulho vinha um aroma que ele bem conhecia. Memória olfativa.


Se apressou então a desenrolar o barbante e rasgou com pouco cuidado o embrulho apoiado na mesa: era a tão conhecida torta de chocolate que só uma pessoa sabia fazer. E era o que mais precisava naquele momento.


Cortou uma fatia da cremosa torta e sentou à mesa. Só enquanto degustava a primeira garfada, lembrou do envelope que deixara ali ao lado - meio arriscado comer algo assim de onde nem tem certeza de onde veio. 


Se apressou então em abrir o envelope que continha apenas um pequeno cartão com as seguintes palavras escritas à mão:


"Quando olhar para o céu e ele lhe parecer escuro demais, lembre que, assim como essa torta, ele também pode ser doce (até porque há alguém por lá que olha por você).

Se precisar de outra torta de chocolate, você sabe onde me achar."


A segunda garfada desceu mais difícil. Pegou o cartão, o prato de torta e voltou à janela, tornando a admirar o céu - nesse momento, uma estrela cadente atravessou o céu do bairro nobre e o sal de suas lágrimas se misturava ao açúcar do chocolate, criando um novo sabor em sua língua - o sabor de saber que nunca esteve nem nunca estará só.

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Do outro lado da cidade, depois de ter recebido a mensagem do entregador avisando da missão cumprida, ela resolveu descansar depois de limpar a cozinha, tomando um banho morno e iniciando seus rituais físicos e espirituais antes de se recolher pra dormir.


Já havia se embrulhado toda nas cobertas como num casulo - mania antiga que sempre retorna no inverno - plugado o celular no carregador e, justo no momento em que ia ativar o modo "não perturbe", uma mensagem chegou no celular.


Não havia palavras, eram só 4 emojis: o primeiro, um sorriso com uma lágrima, e os outros eram 3 emojis que só eles compartilhavam entre si, até porque a forma que eles se comunicavam nunca fez muito sentido pra mais ninguém.


Era o jeito dele agradecer, ela sabia. Esboçou um sorriso de lábios trêmulos e, com os olhos marejados, retribuiu os 3 emojis de sempre.


Ela quis ter feito mais, dito mais... Mas a essa altura da vida, ela já aprendeu que dar espaço já é fazer muito.


Ativou o "não perturbe" do celular e se enroscou em seu casulo novamente, olhando para o céu profundamente escuro naquela noite através da janela. Não buscava por nada: só queria desaguar uma tristeza que nem bem era sua.


Axé-Shalom.



quarta-feira, 17 de julho de 2024

A Sina dos 3 dias

A rua de feira vazia. A enorme livraria. Produtores de cinema.


Eu observava tudo de longe, de uma calçada, acompanhada de 2 amigos. Então ele me vê e, de longe mesmo, sorri terno, na minha direção.


O blazer preto. Ele olha em volta a se certificar que ninguém mais reparava. Enfim, abre o blazer na minha direção que revela uma camiseta branca com os dizeres: "Não se esqueça que eu posso estar longe, mas eu não te esqueci".


Daí quem passou a olhar em volta fui eu: "isso é mesmo prá mim???" - meus amigos mesmo insistiam: "claro que é, gata! Presta atenção!!". Então o encarei novamente e ele acenava com a cabeça reafirmando (provavelmente tendo constatado a minha confusão). E então foi interrompido pelo grupo com o qual ele conversava.


Mas o blazer ainda estava lá, aberto de lado, exibindo os dizeres que eu relia quase sem acreditar.


Acordei com um forte barulho vindo da sala, como se alguém tivesse "trombado" na mesa de jantar. Eu ainda tinha comigo a presença da ternura de seu olhar e, ignorando o estranho som da sala, enrolada nas cobertas naquela fria madrugada, passei algumas vezes aquela imagem sonhada pela mente, o que me aquecia o coração e me fazia querer voltar àquele cenário. Mas a bexiga reclamou e me obrigou a ir ao banheiro. Voltei pra cama checando os móveis: tudo no lugar - inclusive a mesa da sala - e todos ainda dormindo. Estranho pra muitos; pra mim uma madrugada comum. Voltei então pra cama já sem a esperança de retomar ao sonho anterior.


Mas ao adormecer, voltei ao mesmo cenário. E dessa vez, eu me atormentava com aquela situação e tinha uma espécie de crise de pânico:


- Vamos, eu preciso sair daqui... Sair AGORA!!


Meus 2 amigos me entenderam e acharam melhor entrarem comigo na enorme livraria na qual estava havendo um evento. Enquanto um desses amigos buscava água pra mim, o outro tentava me distrair, me levando a uma parte da livraria em que havia uma pequena exposição que tinha paredes e tecidos muito brancos e tema circense. Tentamos acompanhar o "tour" mas não sei o que perdemos - só lembro que a guia contava uma história que terminava com uma palhaça dentro de um caixão (e sim, havia a reprodução de um caixão com uma palhaça, de maquiagem e tudo, ali). Me lembro ainda de poucos elementos, como um berço e 2 anjos em cera pendurados no meio do espaço. Eu estava extremamente desconfortável e pedi a meu amigo pra sairmos dali também.


Então encontramos o segundo amigo, que indicou uma espécie de palestra que ia ocorrer ali, em outro espaço - não sem antes me mostrar o jornal que tinha encontrado: nele, a grande notícia era a de que aquela confusão na rua da feira era um teste para protagonista de um filme live action do Cebolinha (sim, o da Turma da Mônica), e ELE tinha conseguido o papel (já havia até fotos da caracterização).


Me sentindo então mais leve, finalmente me encaminhei à tal palestra (que parecia ter cunho religioso)... 


Dessa vez, acordei definitivamente. Eu ainda me sentia especial, talvez por efeito da primeira parte do sonho, mas a imagem dos objetos um tanto mórbidos da segunda parte me deixava também um pouco perturbada. 


O jeito foi seguir a vida como tinha que ser, mesmo sentindo a falta dele - de alguma forma, eu já sentia havia dias que algo estava acontecendo. Ele não some assim. (E eu já tinha sonhado antes que conversava com seu irmão e ele dizia pra eu não me preocupar...)


Pois bem, os dias passaram. 3 dias depois desse último sonho, pra ser mais exata (e que eu já tinha esquecido). Até que, pelo fim da tarde, ele dá notícias. E não são nada agradáveis. Se o meu próprio chão sumiu debaixo dos pés, imagino o dele! Eu quase podia sentir o rombo que ocupava o meio do seu peito. Ele transformou a dor em poesia (é uma das coisas que temos em comum). Mas eu SENTIA. O buraco, a desorientação, estavam lá.


"Eu preciso sair daqui... AGORA!!"


O que mais me dói é que não posso fazer nada por ele. Nem sequer dar um abraço. Mas o que me conforta é que abraços reconfortantes não faltarão.


POR QUE PREVEJO COISAS QUE NÃO POSSO EVITAR???...


Axé-Shalom.