Que te trouxe e te levou
Deixando no corpo, a marca do amor
Que ficou no ar, ilusão no ar
A chuva que esse vento traz
Faz com que me lembre mais
De todos os sonhos que a gente sonhou
Planejou demais, demais
Bem que eu podia tentar te encontrar
Mas o vento forte
Que me afastou, te levou
Te escondeu longe demais
A chuva que esse vento traz
Faz com que me lembre mais
De todos os sonhos que a gente sonhou
Planejou demais, demais
E cada vento que soprar
Pode te fazer voltar
Encher o vazio que ficou no ar
E marcou demais, me marcou demais
Me marcou demais..."
"Vamos, precisamos seguir" - ele tinha ido buscar mais informações sobre o que estava acontecendo e retornou com o tom grave de urgência na voz. Não explicou muito, mas nem precisava: eu já sabia o quanto era perigoso permanecer naquele país e o quanto era impossível voltar à nossa vidinha pacata no interior da Capadócia.
Ele então me ajudou a conduzir um dos nossos 3 filhos pequenos em direção à plataforma do Tünel de Istambul. Haviam outros refugiados de todas as idades para todos os lados, alguns sentados pelo chão tentando se aquecer naquele inverno austero. A sensação de melancolia em deixar nossas coisas e nossa terra pra trás me inspirava a criar um poema dentro da cabeça; poema esse que eu ficava repetindo mentalmente pra não esquecer - "assim que chegarmos ao nosso destino, encontrarei um lugar pra escrever...". Eu tinha necessidade de registrar, se pudesse ao mundo, a dor que todo aquele conflito estava causando não só a mim e minha família, mas a milhares de pessoas, mas não havia como.
A caminho da plataforma, eu conduzia as crianças maiores em silêncio, mantendo o olhar no chão. Eu ainda podia sentir a mão de meu marido e seu grande vulto pelas minhas costas, me conduzindo. Como eu o admirava: e talvez por isso eu não conseguia fitar seu rosto. Eu sabia que, em algum momento daquela balbúrdia, precisaríamos nos separar momentaneamente, depois de uma vida inteira juntos (visto que nos conhecíamos desde a infância).
E isso me fazia segurar o choro na garganta.
Acordei assustada, curiosa e com a música "Wish you were here" (Pink Floyd) grudada na cabeça. Lembrava das roupas pesadas de inverno, dos sentimentos vívidos de amor e de angústia, do clima de guerra no entorno. Foi aí que eu resolvi buscar alguns detalhes na internet unindo peças do quebra-cabeça com ajuda do Google e do ChatGPT: tudo se confirma que a cena se passou na Turquia, durante a sua Guerra de Independência, no início do século XX. E nem era a primeira vez que eu sonhava com esse país (do qual sempre conheci quase nada): 4 meses antes eu tinha sonhado com a "minha adolescência" na Capadócia, época em que "meu marido" e eu nos apaixonamos (e vivemos um amor proibido, aparentemente por diferença religiosa - e pelo visto, vencemos as resistências).
Desde que me conheço por gente, sempre senti uma profunda saudade de algo ou alguém que eu nunca soube muito bem sequer explicar. Me lembro de acordar chorando de madrugada entre 3 e 5 anos por sonhos que se repetiam e chorar pelo mesmo sentimento ao ouvir a música citada de Verônica Sabino ou o tema de Fievel (como se eu entendesse a letra) sentindo uma enorme angústia, um buraco no peito. Eu olhava pela janela à noite e pedia às estrelas que, por favor, me buscassem de volta - mas essa sensação foi sendo apagada conforme fui crescendo e tive que administrar outras questões da vida. Talvez minha psicóloga tivesse razão: tudo isso talvez fosse apenas sintoma de não conseguir me encaixar numa família disfuncional. Vida que segue, né?
E eu achava mesmo que já tinha superado essa sensação depois de anos de terapia e uma vida inteira de todo tipo de experiências (de vida, relacionamentos, espirituais, etc.), mas depois desse último sonho, não consigo mais fechar os olhos sem ver novamente o cenário no Tünel de Istambul, sem sentir a ausência do caloroso vulto daquele companheiro com o qual compartilhei aquele momento, sem me perguntar se conseguiremos nos encontrar novamente (como aparentemente nos encontramos depois de um período de afastamento - cheguei a ver numa meditação o túmulo onde fomos sepultados juntos). E voltei a sentir esse buraco no meio do peito novamente, essa saudade doída que aquela pequena eu de 4 anos sentia que só tinha sido preenchida há mais de 10 anos, quando finalmente encontrei meu "Abraço-Casa" - mas do qual a Vida me afastou, mais uma vez.
Não posso afirmar com certeza que se tratam da mesma pessoa nas 2 encarnações, mas tem coisas que acontecem que são fortes demais pra refutar...
Curioso: pareço estar fechando um ciclo de 40 anos, afinal, por que isso tudo está voltando agora?
Axé-Shalom-Görüşürüz!
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