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terça-feira, 21 de novembro de 2017

Prelúdio - ou A Sedução do Sono Eterno

Era mais uma sexta-feira comum. Apenas mais uma sexta-feira. 
A mesma rotina. Os mesmos lugares. As mesmas pessoas. 
Talvez com uma ou outra variável. 


Ela, angustiada, só queria parar de pensar naquele mar de lembranças em que parecia estar se afogando. "Talvez se eu tomar 'um pouco mais' desse remédio pra ansiedade... Talvez eu apenas respire..."

Ela sabia o quanto era aquele "um pouco mais". Mentia pra si mesma pra talvez exumar-se da culpa do que estaria tentando fazer. Ou para deixar de ser ridiculamente dramática, já que, provavelmente, nada daquilo faria esse efeito todo. "E nem aquele babaca merece isso"

Jogou para o lado os longos cabelos. Jogou a mochila nas costas. Foi pra escola. 

Do outro lado da cidade ele também não parava de pensar. Mas resolveu tentar pensar em outras coisas. E resolveu visitar cenários e sensações novas. 
Antes ele temia chegar ao o seu limite, agora ele parecia que não havia mais limites a chegar. 
E sempre que voltava o pensamento, o limite era empurrado pra um pouquinho mais distante. 
E atropelou-se num efeito dominó de insensatezes. 
As sensações precisavam ficar cada vez mais intensas pra que pudesse surtir efeito, 
o efeito, 
aquele efeito, 
o tal efeito de esquecer o próprio vazio.
Ou de parar de querer lembrar toda hora. 

Na escola, tudo foi ficando cada vez mais distante, 
cada vez mais distante... 
Percebeu-se apenas fechando os olhos e caindo. As vozes em volta pareciam lhe chamar, mas não pareciam lhe afetar. 
Sentiu-se carregada. Talvez por algum professor. Ela não conseguia enxergar lá muito bem... 

E acordou com o "ping" do aparelho de monitoramento cardíaco no quarto da UTI. Um tubo que lhe subia pelo nariz lhe incomodava, mas estava grogue demais pra poder tentar tirar aquilo que, em sua alucinação, afirmava ser um cigarro. Ninguém achou engraçado. Talvez porque toda a família teria deixado de lado até mesmo suas mais arraigadas diferenças para se perguntarem, todos quase em uníssono, com as mãos na cabeça: 

"POR QUÊ?" 

Nem ela sabia também responder. 


Em meio às luzes da cidade boêmia, tropeçando entre garrafas de long neck abandonadas no meio-fio, ele mesmo também parecia não saber muito bem o que estava fazendo, mas todos percebiam o desejo óbvio de estar mais perto da morte. 

A questão era que mais uma vez ele metia os pés pelas mãos: desejando ser amado, passava dos limites, acabava desprezado. Mas estava entorpecido demais pra saber disso. Apenas sentia. Resolveu apegar-se na pouca companhia que lhe restou, mesmo que ao término do fim-de-semana tenha finalmente percebido que até com esses ele tinha agido errado.  

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Acordei no sábado extremamente cansada. Uma angústia me abatia desde a noite anterior, fui dormir em posição fetal e com os olhos encharcados - ainda que eu não soubesse dizer que eu estivesse chorando propriamente, pois as lágrimas só escorriam à revelia da minha vontade ou pensamento. Talvez movida por essa intensidade, tinha tido um sonho extremamente curioso: você estava lá, e tirava do varal uma peça de roupa (que pelo tecido eu pensei que era uma camiseta minha, mas depois percebi que era uma saia com o mesmo tecido em azul celeste) e me entregava. Tinha tempo que eu não tinha sonhos tão reais, e fazia tempo que nem tínhamos contato... Além do tal raio de camiseta que, no sonho, era uma saia. "Bobagem eu me preocupar com isso...", e embalei numa faxina geral pra na verdade organizar meus pensamentos. 

O que não adiantou em nada pois, no fim da manhã, veio a notícia do hospital. Ela tava bem. O pai que parecia destroçado. Pensei que sentiria certa satisfação ao percebê-lo assim, mas diante das circunstâncias, nem me passou pela cabeça. 

Na verdade, eu só tava encasquetada ainda por que aquela imensidão de angústia ainda não tinha ido embora, já que a boa recuperação da internada já era evidente, além dos encaminhamentos médicos. Inclusive seu arrependimento aparente. 

Mas não era mais ela a preocupação agora... Ela eu já bem conhecia. No momento, a menina estava segura. 

ENTÃO ERA O QUÊ? 

Na manhã de segunda, depois recuperar um pouco do choque, decidi ir à praia pra poder respirar um pouco. Fui buscar o D'us que eu teria visto em sonho alguns anos antes. Fui pedir orientação e perdão por não estar sentindo culpa pelo que eu não fiz - porque eu sei que fiz. 

Mas a caminho da praia, antes mesmo de alcançá-la, fui puxada pelas mãos pelo Destino, e minha rota mental se desviou: a notícia era a de que a Legião estava solta, e que a Morte andou trabalhando muito mais duro do que eu imaginava na mesma sexta-feira. Ainda que por meios diferentes. Mas buscando desaguar no mesmo lugar. 

Larguei então tudo pra trás e fugi para o mar. "Chegar até a praia e ver que o vento ainda está forte" foi crucial pra eu também me sentir forte naquele momento. Houve uma outra época em que esta triste canção de Renato Russo ecoava pra mim na Praia Vermelha pois eu lembrava de um jovem companheiro que ali conheci e que não resistiu ao canto sedutor do Sono Eterno. Mas apesar de todas as circunstâncias, esta canção agora ecoava num tom mais ameno dentro de mim, como se os Anjos que me carregavam até ali fizessem questão de me aliviar aqueles fardos tão pesados que vinham ao mesmo tempo. Porque eu me recordava de todos os sinais dados anteriormente por todos, mas me dei conta de que eu sabia muito menos sobre o que fazer do que eu pensava. 

E talvez por ignorância, arrogância ou orgulho 
eu quase perdi, 
de uma vez só, 
2 das pessoas que eu mais amo. 

Bem, agora eu ainda continuo muito sem saber o que fazer. Talvez nem saiba ainda nem como lidar. Mas ao menos vou tentar atropelar menos as coisas - eu sei, a gente é "doente", não consegue "não atropelar"... Mas enquanto eu tento isso, eu só peço (ou imploro): POR FAVOR, AGUENTEM SÓ MAIS UM POUQUINHO!! Não só em meu nome, mas em nome de todos aqueles que nunca os esqueceriam ao sentir a melancólica sensação de ser tocado pelo vento à beira-mar. Eu já estive onde vocês se encontram, e foi por um pedido desses que eu ainda me encontro aqui. Prometo que vai valer a pena.

Vamos ao menos tentar?


"Quando se aprende a amar, o mundo passa a ser seu..."



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