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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Entre o sonho e a realidade

 Na mais tenra infância (entre 3 e 5 anos), eu tinha um sonho recorrente: eu chegava de viagem num apartamento onde eu era recepcionada por um grande grupo de amigos, que me recebiam cantando "parabéns a você", pois era meu aniversário. A grande janela da sala, que dava prum corredor, estava toda decorada de flores, alguns amigos se dependuravam nas janelas do apartamento, até que em dado momento, todos comemoraram ainda mais empolgados, me chamando à grande janela  me dizendo coisas do tipo "ele chegou!", e eu, muito feliz, me encaminhava à tal janela. Lá embaixo, no corredor todo decorado, um rapaz de jeans e camiseta branca fazia uma serenata, caminhando em direção à portaria do prédio. Todos dançavam como que ensaiados, e então o rapaz - do qual eu não via o rosto - adentrava no prédio e subia as escadas, enquanto eu não me continha de alegria. Eu o esperei então ao lado da longa mesa de jantar. Ele entrou pela porta da cozinha, atravessou a cortina que separava a sala do corredor e ficou ali, por algum momento, como se tomasse coragem. Eu podia sentir de longe sua respiração ofegante e era como se meu coração batesse no mesmo compasso. Até que ele finalmente, encorajado pelos que assistiam a cena, se encaminhou em minha direção. E no momento em que eu iria tocá-lo para nos beijarmos, eu simplesmente era arrancada do cenário e acordava assim, desolada, no meio da madrugada, e chorava de saudade de pessoas que eu nem conhecia. Foi assim por anos na verdade, mas os sonhos foram ficando mais esporádicos. Lembro-me que a última vez que tive esse sonho foi aos 15 anos e até achei estranho, pois já havia anos que eu não sonhava isso. O rosto do rapaz, sempre uma incógnita. 


Décadas depois, uns 3 anos atrás e com o sonho esquecido, um grupo de amigos meus alugaram juntos um apartamento. Fiquei assustada: o apartamento era exatamente igual ao desse meu sonho, incluindo a longa mesa de jantar e a cortina do corredor. E aos poucos eu fui identificando alguns amigos que apareciam no sonho e que dessa vez eram de verdade. Passei a frequentar o apartamento pela proximidade com esses amigos e com a familiaridade do lugar, talvez também na esperança que o tal rapaz do sonho aparecesse pra mim. Na verdade, eu já sabia quem era, mas vivíamos brigando, por isso mesmo eu ansiava por esse dia tão especial, em que talvez nos entenderíamos. Na verdade, isso nunca aconteceu. 


O que aconteceu na verdade eu não sei. Só sei que eu já estava em crise e devo ter cometido alguns deslizes que fizeram esses amigos se afastarem de mim. Passei lá meu aniversário de 38 anos chorando sem parar, com os olhos inchados, e ninguém se importava. Eu na verdade estava cercada de gente e mais sozinha do que nunca. Não teve comemoração, nem "parabéns pra você", muito menos serenata. Apenas solidão. Afinal, o que eu estava fazendo que afastou a todos?


Só sei que voltei pra casa e semanas depois, quando reapareci, fui informada que não me queriam mais lá. Meu mundo caiu ali. Foi exatamente a sensação de ter sido arrancada do sonho da minha infância. E até hoje eu me pergunto o que foi que eu fiz pra ter perdido até mesmo aquele que era meu melhor amigo. 


De fato, a única explicação que tenho é a de que a loucura, já presente na minha infância, me tirou tudo, até o chão. O fato d'eu ter abandonado o tratamento e ter começado a abusar de ilícitos me fez ter uma visão equivocada da vida e em meio a esses delírios de cabelos cortados e roupas surradas, com um mochilão nas costas e sem rumo nenhum na vida, eu possa ter prejudicado minhas relações. Não culpo a ninguém, afinal não é fácil conviver com uma pessoa bipolar, e ninguém tinha obrigação de ficar relevando minhas sandices dentro da própria casa. Mas ainda assim lamento que tudo tenha ocorrido como ocorreu. 


Queria eu recuperar aquelas amizades, mas talvez elas não fossem pra mim. Queria eu reencontrar o "príncipe encantado" que me faria serenatas em forma de rimas de hip-hop, mas talvez ele também não fosse pra mim. Então o porque dos sonhos? Seriam apenas avisos mesmo de tudo que eu ganharia e perderia na vida? 


Hoje minha vida parece tão distante de tudo aquilo que nem sinto mais falta, só quero ajeitar a minha vida. Mas por que dos sonhos? Meu príncipe vai voltar? Ou estarei condenada à solidão pro resto dos meus dias?...


Li por aí que almas gêmeas podem até se encontrar, mas não quer dizer que vão ficar juntas. Nem sei se é caso de almas gêmeas, mas fica o questionamento: esse sonho me dizia o quê?


Axé-Shalom!